A UNITA, maior partido da oposição angolana, defendeu hoje a inclusão no Orçamento Geral do Estado de 2018 do dinheiro depositado no estrangeiro que se pretende repatriar, numa rubrica específica a qual se denominaria “receitas extraordinárias”.
A proposta foi apresentada pelo líder do partido, Isaías Samakuva, na abertura da III reunião da Comissão Política, que decorre até sábado, para análise das questões da vida interna do partido, nomeadamente a sua continuação ou não na liderança da força política.
Isaías Samakuva questionou quem são as pessoas que mantêm divisas fora do circuito oficial, segundo afirmação recente do Presidente da República, João Lourenço, salientando que os angolanos esperam que o chefe de Estado “utilize os seus poderes constitucionais e assuma o controlo do Estado e das suas divisas”.
Segundo o líder da UNITA, os angolanos concordam com João Lourenço e esperam que outras fortunas acumuladas primitivamente sejam declaradas para serem legitimamente investidas no país.
Na quarta-feira, o Presidente João Lourenço anunciou que o Governo vai estabelecer um período de graça para que todos os angolanos repatriem capitais do estrangeiro para Angola, findo o qual poderá accionar a justiça para a sua recuperação.
“O executivo vai no início do ano estabelecer um período de graça, durante o qual todos aqueles cidadãos angolanos que repatriarem capitais do estrangeiro para Angola e os investirem na economia, empresas geradoras de bens, de serviços e de empregos, não serão molestados, não serão interrogados das razões de terem tido dinheiro lá fora, não serão processados judicialmente”, garantiu João Lourenço, que discursava na qualidade de vice-Presidente do MPLA, partido no poder desde 1975.
O presidente do maior partido da oposição referiu, supostamente, as verbas depositadas no exterior “pertencem ou estão ligadas à mesma família política, ao MPLA, partido que subverteu o Estado para institucionalizar a corrupção e que agora vem dizer aos donos do dinheiro que pretende combater a corrupção”.
“O MPLA reconhece que violou a lei, subverteu o Estado e enganou os angolanos. Não quer, naturalmente, responsabilizar os autores destes roubos ou fugas de capitais. Aliás já se auto-amnistiaram. Não nos vamos pronunciar sobre a legitimidade ou moralidade dessa medida. Mas os angolanos estão atentos e saberão julgar a seriedade da ‘mea culpa’ do MPLA”, referiu.
A UNITA questiona se a totalidade das verbas fora do circuito oficial vão ser declaradas e questiona se “quem vai fiscalizar o MPLA é o próprio MPLA?”.
“Não basta decretarem-se amnistias e fazerem-se exonerações. O país precisa de medidas urgentes e efectivas para se travar a fuga de capitais, legitimarem-se os investimentos e concretizar-se a justiça social”, disse Isaías Samakuva.
Como medidas, a UNITA propõe que o MPLA se junte aos deputados da UNITA e aprove o projecto de Lei sobre o Regime Extraordinário de Regularização Patrimonial (RERP), que vai submeter à Assembleia Nacional “para possibilitar o retorno ao país dos capitais levados ao exterior, o seu registo nas contas nacionais e a tributação dos respectivos rendimentos”.
“Seguidamente, uma estimativa dos fundos a arrecadar deve ser incluída como receita extraordinária do OGE para 2018 e uma instituição multidisciplinar ‘ad hoc’ deve ser criada para gerir esse dossiê do Estado”, acrescenta ainda a UNITA à sua proposta.
Para a UNITA, “se o MPLA não der esses passos concretos para enterrar de vez a impunidade e combater a corrupção, então os angolanos irão concluir que todo este discurso de combate à corrupção não passa de retórica e de um expediente para proteger o produto dos roubos, enganar mais uma vez os angolanos e sobreviver politicamente”.
“Panamá Papers”?
O escândalo que ficou conhecido como “Panamá Papers”. Dentre os nomes de altos dignitários aparece somente um político dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Alguém adivinha quem é? Se o leitor pensou em José Maria Botelho de Vasconcelos, ministro do Petróleo de Angola, acertou. E ele não foi apenas meramente citado na investigação. O “rei do petróleo angolano” é destacado como um dos principais agentes no esquema de corrupção pelo cargo e por uma vasta rede de influência no mundo petrolífero.
O facto é importante porque legitima o que vários jornalistas e activistas de Angola dizem há anos: os governos do MPLA (aos quais pertenceu João Lourenço) foram altamente corruptos e utilizara a cadeia do petróleo para drenar recursos em benefício próprio. A investigação como a do “Panamá Papers”, revelou ao mundo o que verdadeiramente ocorre em Angola, corrobora maciçamente com o que os angolanos e observadores estrangeiros têm afirmado ao longo dos anos: o petróleo do país deixou de financiar a guerra civil para enriquecer uma nova elite corrupta.
E não é somente o “braço direito” de Eduardo dos Santos que parece estar envolvido nas revelações do “Panamá Papers”, pois o Fundo Soberano de Angola (FSDEA) também está ligado a essa teia de corrupção global. O FDSEA, que tem as suas receitas provenientes da Sonangol (aí está novamente a indústria petrolífera), já era alvo de inúmeras suspeitas de lavagem de dinheiro, nepotismo e irregularidades financeiras.
Até quando esta situação vai permanecer? É uma pergunta de extrema importância que os cidadãos angolanos devem ter em mente, pois as bombas atómicas vão continuar a cair até que algo seja feito. O fortalecimento das instituições públicas e dos preceitos da democracia é um passo importante. Já que a elite política e económica de Angola não se preocupa com o povo, parece que vamos ter um longo caminho até que a situação acabe.
Os “papers” de José Maria
Pois é. Entretanto o general António José Maria, afastado do Serviço de Inteligência e de Segurança Militar, continua à espera de ordens do seu “Chefe do Estado-Maior”, José Eduardo dos Santos, para pôr a boca no trombone.
José Maria passou muito tempo, sobretudo a partir do momento em que Eduardo dos Santos disse que não seria candidato do MPLA às eleições de Agosto e se aventou que o candidato seria João Lourenço, a reunir informações, dados, documentos, testemunhos (no país e no estrangeiro) sobre o actual Presidente da República.
“O Serviço de Inteligência e de Segurança Militar esteve em exclusivo a trabalhar, por ordem do general Zé Maria, numa espécie de Paradise papers of João Lourenço”, contou ao Folha uma fonte ligada ao general.
O general José Maria é dos que considera que as decisões em catadupa que estão a ser tomadas pelo Presidente da República, João Lourenço, são uma caça às bruxas no MPLA e uma lavagem da sua imagem, “quase parecendo que JLo nada tem a ver com o MPLA e que só agora chegou à política angolana”.
Mais do que o conteúdo dos pronunciamentos e das decisões já tomadas, o núcleo duro do MPLA que, curiosamente, conseguiu adquirir a simpatia e o respeito de militantes considerados moderados, contesta a avidez e o “ataque kamikaze” que relembra uma “tese marxista de que o importante não é a sociedade que se quer construir mas, apenas, a que se quer destruir”, disse uma outra fonte do F8.
João Lourenço tem, de facto, demonstrado que quer, pode manda, mesmo que isso mais não seja do que a passagem de um atestado de incompetência do anterior executivo ao qual, aliás, pertenceu enquanto ministro da Defesa e como alto dirigente do próprio MPLA.
“Em matéria de enriquecimento, João Lourenço tem alguns telhados de vidro. É claro que ele acredita que esses seus telhados são à prova de bala, mas não são”, comenta um outro histórico do MPLA exilado na Europa.
Folha 8 com Lusa